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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Fumo, logo existo

Estava lendo uma resenha de 'Descartes e a maconha', de Frederic Pagès. Ele defende que o filósofo conheceu a erva na Holanda e, a partir daí sua obra se tornou mais profunda, mais densa. Lembrei que houve um tempo em que eu tentei ser “descolado”, fazer parte da turma animada – acho que isso aconteceu com todo mundo, não é não? Eu passei a infância toda sendo chamado de "bunda mole" porque tentava discutir literatura com os colegas e era um dos únicos da minha rua que tinha lido a Bíblia de Genesis à Apocalipse e estava disposto a mudar.

Lá pelos 19 anos, quando já morava sozinho em Balneário Camboriú, fui apresentado à Cannabis. Como sou um chato de galocha, pesquisei sobre a erva durante um bom tempo antes de experimentá-la. Vi que não é algo assim tão maléfico para a saúde e há alguns estudos que afirmam que, se usada com moderação [fume com moderação] até faz bem.

Alguns dos artistas, escritores e até políticos que eu admiro declararam ter usado a ervinha. Então pensei: não é cara, não faz mal e dizem que ajuda a “abrir a mente”, vamos experimentar.

Bom, primeiro tive que aprender a tragar (levar a fumaça até os pulmões) – o que foi a parte mais difícil. Queimei muita erva em vão antes de conseguir. Até que um dia me disseram “pronto, agora você já pode sentir a vibe”. Eu traguei uma vez, duas, três... o cigarrinho já estava queimando meus dedos e... nada! Não senti nada. Não relaxei, não fiquei agitado, não pirei!

No começo até me senti frustrado. Poxa vida, todo mundo que é descolado, que tem papo legal, que gosta de literatura francesa, que vai ao teatro burlesco, que usa jeans surrado e tênis sujo fuma maconha, só eu que não sinto nada e fico com esse gosto de ferrugem na boca! 

Um amigo bonaerense me disse que eu estava usando “marijuana trucha” (falsa). Aí me levou até Quilmes, na casa de um primo dele que tinha uma plantação no quintal. Em cima de uma casinha de cachorro havia uns galhos secando ao sol. “Hoy te vas a conocer la verdadera”, me disse o argentino. Ele fez o “baseado” e discursou sobre como Che Guevara usava a erva para relaxar e coisa e tal. Dessa vez eu até fingi que tinha sentido o efeito e que estava bem relax, mas foi pura mentira. Mais uma vez fiquei como Monalisa: sem pranto nem sorriso.

Foi aí que eu concluí que não dá pra mim. Quem nasce pra ser careta não adianta forçar. Talvez eu tenha perdido a chance de me tornar um Descartes [jura!] - simplesmente porque descartei a maconha.

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