Páginas

terça-feira, 8 de março de 2011

Epifania na privada

"Não se engane. Você é um escravo do sistema"

Quem em sã consciência consegue fazer suas necessidades fisiológicas em paz depois de ler tal frase grafitada na porta do banheiro?

Ao longo da vida nós, principalmente os homens, nos deparamos com cada coisa escrita, desenhada e até esculpida em paredes de banheiros públicos! Na universidade, na balada, em qualquer lugar, lá estão os poetas, os pensadores e – para espanto de alguns – até os profetas com suas frases de efeito. É tiro e queda, quando você vê já leu um monte de bobagens que vão de “anúncios”, ofertas de “serviços e produtos” a ameaças e confissões.
Recorrer a um banheiro público é algo que se faz como último recurso – não acredito que alguém o faça sem antes pensar dez vezes.

E quando naquele momento ingrato, em que você está vulneravelmente “exposto” num cubículo de dois metros quadrados, corre o olho no monte de bobagens mal escritas na parede e lê uma verdade e sai de lá filosofando?

Sim, porque depois de ler essa frase algum botão, algum parafuso, algo foi acionado em mim. Dei-me conta de que sou sim um escravo do tal sistema. Quase sempre estou pensando em coisas que me são impostas por todo o arsenal de mensagens que recebo involuntariamente todos os dias. Não vejo novela, mas sei o que está acontecendo nos folhetins, não vejo Big Brother, mas sei o nome de quase todos os participantes do programa, não ouço Lady Gaga mas me pego cantarolando ale alejandro; não tenho, ou não quero ter, nada a ver com a crise no oriente médio, mas me vejo preocupado com as notícias sensacionalistas embaladas em narrações espetaculares; não sei porque não gosto de argentinos, não sei porque comparo Ivete Sangalo com Claudia Leitte, não sei porque chamo fulano de rei do pop e fulana de rainha dos baixinhos, não sei porque não gosto de cinema nacional; acho estranho a língua russa e o inglês é música para meus ouvidos, não conheço meu país mas quero conhecer a Europa...

O perturbador é que quanto mais a gente pensa, mais encucado fica. Verdades estão em livros, mas também podem estar em "artes ruprestres" nas portas dos banheiros. Concluí que da próxima vez que eu for a um WC público, além de forrar o assento com papel e cuidar para não tocar em nada, também tomarei o cuidado de fechar os olhos para não ler uma dessas verdades perturbadoras de filósofos de privada.  

3 comentários:

Julcimery Schreiber disse...

É duro ouvir mais uma vez a verdade, mas desta vez em um lugar o qual nunca poderemos imaginar.
Adorei seu texto. Beijos

Cristiane Soethe Zimmermann disse...

Cícero, parabéns pelo blog! É um suspiro de inspiração e cultura no meio de tanta alienação e desprezo pela literatura que vemos por aí.

Roberta Melo disse...

Realidade infeliz essa, não? É tudo controlado, mas tem pacotes de escolha por todos os lados, até o que achamos que não é, também é... Faz um mix e joga tudo fora...Ou então escolha seu por um 1,99 e diga que é a filosofia de vida. Belo post!