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sábado, 11 de fevereiro de 2012

As Esganadas, de Jô Soares

divulgação Companhia das Letras

Quando um perigoso assassino está à solta, apavorando a cidade do Rio de Janeiro, toda a sociedade se sente atingida. 

Não, não estou falando da criminalidade que assola a Cidade Maravilhosa nos dias de hoje. Falo do Rio Capital Federal, de 1938. É nesse período que está ambientada 'As Esganadas', de Jô Soares. O assassino em questão, personagem único da mente desse ótimo escritor, escolhe moças de farta adiposidade para matá-las com requintes de crueldade. Ele as atrai com guloseimas da culinária portuguesa e depois expõe seus cadáveres, escarnecendo das autoridades e aterrorizando a população.

Quem já leu Assassinatos na Academia Brasileira de Letras e pensa que trata-se de um romance policial na mesma linha, em que no final se descobre o “grande assassino” (se você já leu, entendeu o trocadilho), bem ao estilo Sherlock Holmes, irá se deparar com o oposto dessa narrativa. Desde o primeiro capítulo nós, os leitores, sabemos quem é o sanguinário. O escritor narra inclusive a motivação para tais crimes, expondo teorias freudianas e “justificando” tamanhas atrocidades. O jogo de enigmas e a caça da polícia e da imprensa é o que torna a obra interessantíssima.

Para brindar o leitor com um pouco de história e enriquecer a trama, Jô se utiliza de personagens e acontecimentos reais. Estão ali citados, para demarcar o período, o então presidente Getúlio Vargas, a revista O Cruzeiro e Assis Chateaubriand, entre outros. O assassino em série é um bon vivant de cultura elevadíssima – uma “desculpa” para o escritor descrever a música de Wagner e a importância artística e cultural das belas óperas apresentadas no Theatro Municipal, por exemplo – e em certos momentos o leitor se compadece de sua forma mísera de viver e carregar o fardo que é sua debilidade psicológica.

O detetive Tobias Esteves é um português radicado no Brasil e, como é comum em romances policiais, é excêntrico e tem aquela áurea superior dos detetives. Ele, juntamente com o delegado Noronha, o atrapalhado soldado Calixto e a bela repórter da revista O Cruzeiro, Diana, irão desvendar esse mistério.

Como os crimes são acompanhados de belas receitas de doces e salgados portugueses, Luis Fernando Veríssimo, que faz uma apresentação da obra na contracapa, diz: “só se pode dizer que a trama deixará você, ao mesmo tempo, horrorizado e com fome”. Eu, sem a licença poética e o tom publicitário do Veríssimo, te digo: é de embrulhar o estômago, mas mesmo assim você só sossegará depois de ler a última frase!

Parece que Jô Soares já marcou seu estilo na literatura: assassinatos em série. Isto porque em O Xangô de Baker Street (que eu ainda não li, mas já várias resenhas e comentários), Assassinatos na Academia Brasileira de Letras e agora em As Esganadas é este o cerne de suas obras.

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