Em O Guri e o Elefante, por exemplo, Canellas descreve o sofrimento de um garoto prestes a perder o circo que parte. “Livre, o guri faminto se aproxima. Preso, o elefante saciado espera. Então, o moleque estica o braço, tromba de menino. O bicho estende a tromba, braço de elefante. Os dois se tocam com curiosidade e ternura mútua. O guri pensa ouvir uns muxoxos muito humanos do hálito irracional que emana da jaula”. Quem é o guri? Canellas? Fica a cargo da interpretação do leitor.
A morte da Vaca é um mini conto – não fica claro se é ficção ou realidade – que narra o calvário de uma vaca fujona e desobediente prestes a ser sacrificada por seu dono, apesar dos apelos dos filhos e da esposa. Em menos de duas páginas, o leitor prende a respiração como num filme de suspense. Ao final... – ops, não posso fazer spoiler. Ironicamente, escolhi esses dois textos que falam de animais para citar aqui, pois também nasci no interior e, na infância, tive muito contato com os bichos. Mas os assuntos tratados por Canellas, com um verniz de sofisticação único, são variados.
As setenta crônicas, resultado de um garimpo em mais de quinhentas publicadas em diversos jornais, são rápidas, não passando de duas páginas cada. Uma leitura simples e leve – a densidade fica por conta da maneira com que o escritor relata o que sente em relação aos lugares e personagens –, que nos faz interpretar visão "provinciana" de Marcelo Canellas.
Como sou fã de crônica, só parei quando li a última. E recomendo sem medo de errar.
Marcelo Canellas, repórter especial da Rede Globo, é muito lembrado por suas coberturas de temas ligados a direitos sociais e humanos. Venceu os prêmios Vladimir Herzog e Ayirton Senna de Jornalismo, com a reportagem 'Fome' exibida no Jornal Nacional em 2001 - matéria que também lhe rendeu uma medalha ao mérito da Organização das Nações Unidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário